Em tempo de Mensalões, a quantidade de vendas da Veja atesta a vocação discursiva de milhares de famílias brasileiras, que seguem as narrativas do principal meio de comunicação no seu segmento, no Brasil
O poder das mídias, sobretudo do jornalismo, é um tema recorrente e importante para a sociedade. Pois, o conhecimento sobre a esfera pública mantém certa dependência dos meios de comunicação – ainda mais em tempo global, de muitos acontecimentos com efeitos sistêmicos. No final de cada discussão evidencia-se também a capacidade da imprensa de formar comportamento e hábitos culturais que levam ao consumo desenfreado e a passividade política embrutecedora. Nada demais, compreendendo que ainda assim é indispensável à informação para o cotidiano.
Se o objeto de análise é a Revista Veja, então, não aparecerão muitos que a defenda. Para os críticos sua linha política visa à formação de uma sociedade alienada aos princípios neoliberais, a serviço de uma elite conservadora e hegemônica – formada por ricos empresários, do agronegócio, mercado internacional. Porém, numa análise mais aprofundada e complexa vai se percebendo que a visão de mundo que é traçada pelo semanário paulista se relaciona com o imaginário social do país, inclusive de grande parte da população politicamente excluída.
Como exemplos, o desejo de consumo está inserido em suas páginas, inclusive os grandes modelos de vestuários, além das grandes atrizes, quase sempre com roupas sumárias e deslumbrantes (haja sexualidade exposta), pura fixação e idealização. Narrativas que encontram o fetiche social, inclusive reproduzindo discursos que permeiam grupos que se mostram críticos ao sistema capitalista. A fervorosa crítica ao governo petista não se restringe ao grande latifundiário brasileiro, bem como o repúdio a Fidel Castro, Evo Morales, Rafael Correia e outros latino-americanos vistos como próximos de um socialismo decadente.
O convencimento de Veja se efetiva na reprodução de comportamentos que está inserido nos espaços sociais, como é o caso da defesa dos direitos à liberdade sexual, os direitos da mulher e a denúncia contra a violência urbana, a morte, etc. e tal. Neste sentido, há uma repetição de temas e comportamentos que formam consenso em grande parte da mídia nacional – uma espécie de agendamento, por que não dizer globalizado, ocidental. Em essência, as mensagens ganham repercussão universal, com reflexos em diferentes culturas e comunidades territoriais, a partir de outras mídias com discurso que se reproduz.
Neste propósito surgem muitas dúvidas. Uma se destaca, quem vem primeiro a Revista Veja e seus congêneres na imposição de comportamentos ou os comportamentos sociais sistematizados pressupõe a existência do veículo de comunicação, conforme tais paradigmas? Neste espaço certamente há trocas fundamentais para a organização do conhecimento dos indivíduos em sociedade, que não podem viver sem mediações no mundo moderno, pós-imperialismo, com faz entender autores como Néstor García Canclini, em seu texto “A Globalização Imaginada”.
Apenas a observação das capas – uma espécie de cardápio para o que vem no seu interior – do semanário editado pela paulista Abril evidencia-se a pertinência dos assuntos em pauta, que dramatizam a realidade e sensibilizam a população, em conformidade aos interesses sociais como terrorismo, catástrofes naturais, corrupção, economia, etc. Há aqueles formados de maneira latente, como é o caso da sexualidade, internet, profissão, rentabilidade financeira, emprego, etc.
Em tempo de Mensalões, a quantidade de vendas da Veja atesta a vocação discursiva de milhares de famílias brasileiras, que seguem as narrativas do principal meio de comunicação no seu segmento, no Brasil.
Realidade e ficção política
Dito isso, outra questão torna-se fundamental. Quanto às questões políticas, qual a razão dos candidatos apoiados pelo semanário não vencerem as eleições, como é o caso de políticos tucanos, sobretudo paulistas, que sofreram sucessivas derrotas às eleições à Presidência da República, mas que receberam explicitamente apoio da família Civita?
Certamente a ficção e a realidade empírica precisam se encontrar em algum momento. Considerando que as narrativas envolvem o enquadramento do acontecimento, relacionando o posicionamento político da empresa de comunicação e suas relações de poder, necessariamente o público também busca sua escolha particular. A realidade passa, então, a ser a do seu cotidiano, mais duro e mais real, condizendo com o que vê e convive. As belas personagens da revista são maravilhosas para se observar e pensar com prazer, mas não se inserem na realidade pragmática, embora haja desejos, criados pela imagem narrada. O politicamente correto da mídia pode não ser o das histórias cotidianas, o que minimiza o poder de dominação do semanário.
Partindo do pressuposto de que a realidade sai das histórias que contamos e ouvimos todos os dias – lembrando Luiz Gonzaga Motta (UnB) -, além das que lemos cotidianamente, os meios de comunicação perdem em essência para as imagens tratadas localmente, com personalidades vivas e presentes nos fatos, como é o caso de pessoas que vivem na miséria e na falta de condições de uma vida melhor para a família. Existe, portanto, um mundo que vai se idealizando coletivamente, mas deve estar em conformidade com a capacidade de tocá-lo, em última instância.
Em muitas circunstâncias a realidade das mídias podem se materializar, conforme suas histórias e imaginário social. Como exemplo a repetida, discutida e emblemática vitória de Collor de Mello para a Presidência da República, com profunda parcialidade decisiva de Veja e parte substancial da mídia brasileira. Um personagem de uma história real, em tempos de escolhas políticas, em meio à dura realidade existente e sem solução – o salvador da pátria serviria a propósito. A esperança midiatizada aponta para soluções concretas se comparada com as grandes mazelas que se mostram eternas. Entre o pessimismo e as possibilidades relatadas pelo imaginário, prefere-se o último. Ainda mais quando se tem uma narrativa com muitas vozes políticas que apontam caminhos seguros. O terreno da política é de fortes batalhas no imaginário.
Em resumo, a comunicação e a cultura são termos complexos, que muitas vezes se tornam simples demais, sem uma análise mais profunda. Compreender significa analisar sem paixão, pois a comunicação é social, e sem a anuência do público não existirão mediadores com audiência. O poder de influenciar no diálogo com o imaginário popular, formação cultural e comportamento político, se faz um enigma de Veja – e demais mídias em tempos de globalização.